Tuesday, January 29, 2008

Falar com a chuva

Os nativos, que têm um acentuado sentido do ritmo, não sabem nada a respeito de poesia, ou pelo menos nada sabiam antes de haver escolas onde lhes eram ensinados hinos.

Certo dia, ao anoitecer, estávamos nós no milheiral onde havíamos andado a fazer a colheita, arrancando as maçarocas e atirando-as para dentro dos carros de bois; para me divertir, falei aos trabalhadores, que na sua maioria eram muito jovens, fazendo versos em língua suali. Os versos não tinham qualquer sentido e o seu único objectivo era a rima. "Ngumbe na-penda chumbe, Malaya-mbaya. Wakamba na-kula mamba", o que significa: "Os bois gostam de sal, as prostitutas são más, os Wakambas comem cobras". Apercebi-me do interesse dos rapazes, que se reuniram à minha volta. Rapidamente compreenderam que o significado em poesia é pouco importante e não puseram em questão o tema dos versos, mas esperaram entusiasmados pela rima e riram-se ao ouvi-la.

Tentei fazer com que descobrissem a rima e acabassem o poema mas não conseguiram ou não quiseram fazê-lo e viraram a cabeça para o outro lado. Quando se habituaram à ideia da poesia, pediam-me:
- Fale outra vez. Fale com a chuva.

Por que motivo achavam que a poesia se assemelhava a chuva, não sei. Mas deve ter-se tratado de uma expressão de aplauso, uma vez que em África a chuva é sempre ansiosamente esperada e bem-vinda.

Karen Blixen em África Minha.
No princípio do século passado Karen viveu junto as montanhas Ngongo, Quénia.

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