Monday, January 24, 2022

Pela Cidade das Águas Movediças

Morreu Jean Claude Mezières, desenhador de Valerian et Laureline : (

Obrigado Mário, por relembrar e explicares um pouco porque Mezières fez tanto parte da minha vida. Mesmo sem querer e sem saber bem porquê, mas assim foi...

Pelas palavras de Mário Moura:
"Era raro relê-lo porque já o tinha feito tantas vezes, ao ponto de saber páginas inteiras de cor, de reconhecer manchas de tinta, trejeitos. Comecei a coleccionar-lhe as primeiras edições, talvez para tentar capturar um instante primordial antes de as ter conhecido, para as poder ler outra vez como se não as soubesse cá por dentro.

Valérian et Laureline foi das primeiras BDs pelas quais me apaixonei, daquelas paixões que doíam mesmo, que tiravam o ar e não se imaginava o que poderia ser o mundo sem aquilo. Foram uma educação sentimental e política. Foi a primeira vez que, sem o saber, percebi o que era o feminismo, o que era uma relação entre um herói e uma heroína de igual para igual. Entrevi os problemas da História e aprendi uma sensibilidade política. Tudo isso e muito mais.

Seria mais fácil dizer as histórias que não gosto do que as minhas favoritas, mas dada a ocasião faço o esforço:

Entrei pela "Cidade das Águas Movediças" e ainda me parece uma pequena obra prima. Na altura em que foi publicada comentou-se a inovação de fazer uma BD «séria» com um desenho caricatural, mas o que me ficou a espessura do retrato da América, que se percebia ter sido feito na primeira pessoa. Não me espantou saber que Mezières lá tivesse vivido como cowboy.

A minha favorita durante muito tempo foi a dupla "Metro Chatelet – Brooklyn Station". Marcou-me o contraste entre o quotidiano do século XX e os imensos cenários cósmicos. É também um dos exemplos de como o herói Valerian era sempre subtilmente o ingénuo, o objecto sexual, a máquina de guerra, enquanto Laureline era densa, consciente e estratégica.

Tenho de referir "O Império dos Mil Planetas" que é perfeita. Não é aquela à qual volto com emoção, mas é perfeita. Se a cultura visual de ficção científica do último quartel do século XX desaparecesse, era possível reconstruí-la a partir destas páginas, desde o Star Wars ao Moebius.

Finalmente, o que eu sei ser hoje o meu preferido: "Nas Terras Programadas". Durante muito tempo, convenci-me que era uma história de transição, um daqueles episódios onde não sucede nada, mas, nesse aspecto, é "As Jóias de Castafiore" de Mezières e Christin – a sua obra prima. Numa série sobre viagens no tempo, é o único sobre a História dos Historiadores, e sobre quem é o sujeito Brechtiano da história, e sobre tipos de feminismo, e sobre a História enquanto forma – e tantas outras coisas."

É isto. Hoje morreu Jean Claude Mezières, o desenhador de Valerian et Laureline. 40% do facebook são obituários mas este é especial. Obrigado por tudo.

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