Wednesday, October 11, 2006

Viva la tristeza!

Nas músicas não é muito diferente.
La flor de mi secreto e Habla con ella, são reincidentes, mas as musicas não vêm directamente do filme. Tonada de luna llena só entra com o genérico. Mas que entrada. As que eu mais gosto são uma colectânea do que Almodovar ouvia enquanto escrevia o filme Habla con ella. Cito um texto do próprio.

"Enquanto escrevo um guião não escuto música, e a que escuto sofre uma selecção natural muito severa (a música chama-me demasiado a atenção e interfere com o que escrevo). Normalmente trabalho melhor em silêncio, mas há dias que me levanto mil vezes da mesa para mudar de tema musical até encontrar o adequado. Mudo continuamente de temas e estilos, até dar com uma música que me acompanha sem me distrair, que me acentua a concentração e a enriquece. Nas semanas seguintes volto a repetir aqueles temas que superaram a prova.

A escrita de um guião é como uma personagem que só lhe assenta bem determinadas roupas, determinados estilos, determinadas cores.

Este Cd está composto pelos temas que me acompanharam enquanto escrevia Hable con Ella. Todos assentaram bem na história enquanto a escrevia no meu computador. Todos assentarm bem em mim e me acompanharam com a eficácia e a intensidade de um amante secreto. Se por acaso leres o guião e escutares estes temas, comprovarás que se fundem em uma e a mesma coisa, digamos que são como "a banda sonora secreta e alternativa de Hable com ella".

Em Viva la tristeza! há uma reivindicação da lágrima, da moção liquida, da solidão, da intimidade com um acompanhar de recordações dolorosas, de da melancolia.. Sem que isto signifique complacência com a dor, nem masoquismo.

Todos estes temas me provocam uma emoção profundamente analgésica. São muito variados, mas suponho que têm algo em comum, abundam os sussurros, os lamentos, a canção de amor desesperada (a explosão final de La llorona es uma prova eloquente). Todas as canções são jóias em seu estilo particular.

Surpreenderá a presença de Nicolette e de Nina Simone. Por um lado rompem a torrente lacrimal das antecessoras (menção especial merece Jimmy Scott, recreando uma canção sem limites, Nothing compares 2U, fazendo dela sua e nova. O Djian Gaspatyan & Michael Brook, um americano e um canadiano, interpretando o luminoso lamento Dark Souls). Nicolette é a versão moderna de Billie Holiday, tinha que estar aqui, em cima deste vale de lágrimas, e Nina Simone porque é a melhor versão dela própria. A surpreendente versão de Gregory Isaacs de La casa del sol naciente, com efeito é como abrir a janela para que entre a luz de um dia de sol.

Benigno, o enfermeiro que cuida de Alicia, uma jovem em coma há quatro anos, punha estas canções para que ela as escutasse nesse limbo secreto donde vivem as mulheres adormecidas. Todos os temas têm algo de canção de embalar, canções para mulheres ausentes, que nos enchem o coração de tristeza e delicia.

Pedro Almodovar

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