Sunday, March 29, 2015

Amor Moderno

Como escrevem homens e mulheres sobre o amor
Há alguns meses li vários artigos que promoviam os benefícios para a saúde de escrever de uma forma profundamente pessoal. Os estudos mostravam que escrever regularmente de uma forma introspetiva pode dar origem a uma pressão arterial mais baixa, a uma melhoria da função hepática e até à cicatrização acelerada de incisões cirúrgicas. Tinha sido dito aos participantes do estudo para escreverem todos os dias, durante períodos curtos, sobre experiências emocionais tumultuosas.

Aposto que muitos deles escreveram sobre o amor. Como editor de longa data desta coluna, passei muito tempo da última década a ler histórias sobre experiências emocionais tumultuosas das pessoas, e todas elas envolviam o amor de uma maneira ou de outra. O que não é de todo surpreendente. Quem é que ainda não foi sobressaltado pelo amor? Mas estes escritores tinham transformado as suas experiências em histórias e tinham-nas enviado para aqui, onde mais de 99% têm de ser rejeitadas.
Apesar de os possíveis colaboradores poderem ficar satisfeitos ao tomar conhecimento dos surpreendentes benefícios da sua escrita para a saúde, penso que aspiram a uma recompensa mais glamorosa do que uma melhoria da função hepática. Ultimamente tenho pensado sobre essas dezenas de milhares de histórias passadas e todas as questões e lições sobre o amor que elas representam. Quando tomada em conjunto, o que revela toda esta escrita sobre nós ou sobre o amor? Aqui está o que eu descobri.

Primeiro e muito básico: a forma como nós escrevemos sobre o amor depende da idade que temos.
Os jovens, esmagadoramente, escrevem com um misto de ansiedade e de esperança. As suas histórias colocam a questão: como é que vai ser para mim? Aqueles que estão na meia-idade são mais frequentemente atraídos pelos seus teclados por sentimentos de mal-estar e desilusão. As suas histórias perguntam: é mesmo assim que isto é para mim? E as pessoas mais velhas quase sempre escrevem a partir de uma perspetiva de apreciação, independentemente de quão difíceis as coisas possam ser para elas. As suas histórias declaram: apesar de tudo, sinto que tenho muita sorte.

Ao escrever sobre o amor, a história de como nos conhecemos engrandece-se porque muitos de nós acreditamos, validamente ou não, que uma boa história de encontro é um bom augúrio para a relação.
O que consideramos ser uma boa história de um encontro? Quando envolve mais o acaso do que esforço. Ganhamos pontos de bónus se o encontro casual sugere compatibilidade, como sair equivocadamente do supermercado com o carrinho de compras um do outro, porque tínhamos tantas coisas lá dentro que confundimos os carrinhos. "Eu estou sempre a comprar estas beterrabas!" "Também gosta destes cereais integrais?" Em pouco tempo chega a hora de arranjar um quarto.

Parece que quanto mais nos esforçamos para encontrar o amor, mais propensos ficamos a questionar os resultados. Os que frequentam muito os sítios de encontros da internet preocupam-se com isso, assim como aqueles que frequentam rotineiramente eventos para solteiros.
O receio é de que possamos forçar as coisas ou chegar a um compromisso depois de nos termos esforçado tanto, durante tanto tempo. Podemos admirar o trabalho duro na maioria dos empreendimentos, mas admiramos a preguiça quando se trata de encontrar o amor. (No entanto, se conseguirmos ficar juntos a longo prazo, será por causa do esforço e não do acaso.)

Quando algumas pessoas escrevem sobre o amor não encontram as palavras certas para capturar a intensidade dos seus sentimentos, então usam frases feitas que seria melhor evitarem. Estas incluem as palavras (mas não são as únicas): incrível, lindo, devastador, esmagada, ferida, alma gémea e eletrizante. Frases populares incluem: "encontro inesperado", "o coração disparou", "coração derretido", "lembrar-me-ei para sempre", "nunca esquecerei" e "leitor, casei com ele". Depois há a palavra favorita de toda a gente independentemente do assunto: literalmente. Como em "o nosso encontro foi literalmente eletrizante".

Homens e mulheres podem sentir o amor da mesma forma, mas eles escrevem sobre ele de forma diferente. Muitas histórias de homens parecem tingidas pelo remorso e pela nostalgia. Eles desejam que relacionamentos anteriores não tivessem terminado ou que oportunidades românticas não tivessem escapado. Eles lamentam não ter sido mais abertos emocionalmente com amantes, mulheres, pais e filhos.

As mulheres são mais inclinadas a escrever com inquietação. Elas querem perceber o amor. Muitas mantêm listas mentais das suas expectativas, detalhando as características do seu parceiro desejado com alarmante especificidade e depois avaliando como um novo interesse romântico combina ou não com esse modelo. Vão escrever algo como "eu sempre me imaginei com alguém mais alto, um homem com cabelo curto, castanho e óculos de aros de metal, que usa calças de ganga ou cáqui, o tipo de pessoa que me traria o chá à cama e leria o jornal de domingo no sofá a meu lado". Os homens quase nunca descrevem as características da sua parceira ideal desta forma. Mesmo que tenham uma imagem específica em mente, poucos colocarão essa visão no papel. Pergunto-me se eles se sentirão envergonhados.

Outra lista que as mulheres elaboram frequentemente é "A Lista de Homens Falhados", na qual elas rejeitam cada homem com que saíram no ano anterior com uma única frase. Lá está o obnóxio com as patilhas, o estudante de Medicina que fumava demasiada erva, o texano gentil que fazia chapéus de feltro, mas não se conseguia comprometer, e o financeiro fisicamente afetuoso que lhe largava sempre a mão quando via os amigos dele.Esta série de maus encontros deixou-as exasperadas a ponto do desespero, então tentam ver o lado humorístico da coisa.

Os homens raramente compõem esse tipo de lista, também. Neste caso, gostaria de saber se é porque estão com medo, não querendo ser vistos como depreciando as mulheres. Em geral, os homens escrevem mais cautelosamente sobre as mulheres do que o contrário.

As histórias de amor estão cheias de ilusão romântica, em que idealizamos o amor até a um nível pouco saudável. Mas, nas narrativas que vejo, os homens e as mulheres iludem-se em direções opostas. Uma mulher é mais propensa a acreditar que o seu ideal romântico a aguarda em algum lugar no futuro, onde a sua fantasia de longa data se torna uma realidade de carne e osso. O ideal romântico masculino normalmente existe em algum lugar no passado na forma de uma pessoa real que ele amava mas que largou ou se foi embora. E ele continua a voltar para ela na sua cabeça e, provavelmente, também no Facebook e Instagram, pensando, "e se?"

Não sei se os homens são piores que as mulheres quando se trata de rejeição romântica, mas eles são claramente piores quando se trata de rejeição literária. Apesar de apenas 20% dos envios para Amor Moderno virem de homens, eles mandam mais de 90% dos e-mails irritados que recebo em resposta à rejeição. Para esses homens, um "não" não quer dizer não. Um "não" significa o início de um inquérito sobre como isso poderá ter acontecido. Um homem atirou-me: "Você nem sequer leu a história, pá. "Ao que eu respondi, sinceramente: "Pá, li mesmo."

Escrever sobre o amor pode ser semelhante a nos apaixonarmos, no aspeto em que devemos estar tão vulneráveis na página como estamos pessoalmente quando nos revelamos a alguém que esperamos que nos ame de volta. Isso significa expor as nossas falhas e fraquezas e confiar que seremos vistos como mais atraentes, e não menos, por tê-lo feito.
A boa escrita sobre o amor possui as mesmas virtudes que definem um bom relacionamento: honestidade, generosidade, abertura de espírito, curiosidade, humor e consciência dos nossos defeitos. A má escrita sobre o amor sofre dos mesmos defeitos que definem um mau relacionamento: desonestidade, contenção, estar na defensiva, culpa, mesquinhez e egoísmo.

Tem sido notável assistir à evolução nas histórias que tenho recebido de escritores homossexuais. Há uma década, as suas histórias centravam-se em questões de marginalização, identidade, de se assumirem e de tensões familiares. Em poucos anos, o seu foco tornou-se abertamente político na luta pela igualdade e pelo casamento. Hoje, os escritores gays largaram maioritariamente essa bagagem. Eles escrevem sobre a procura do amor, casar, começar uma família, ser pai, até sobre o divórcio. A orientação sexual que em tempos tinha sido central é agora incidental. O que parece ser uma boa mudança.

Com o dia dos namorados quase em cima (e as palavras sobre o amor sempre tão difíceis de encontrar), deixem-me concluir desejando-vos simplesmente uma maravilhosa celebração do eletrizante romance que nunca esquecerão e que recordarão para sempre.
por Daniel Jones

Amor Moderno. Como escrevem  homens e mulheresÉ de amor que se fala nesta coluna, a mais lida do The New York Times. Histórias verdadeiras, contadas pelos leitores. Daniel Jones é o autor de Love Illuminated: Exploring Life"s Most Mystifying Subject (with the Help of 50 000 Strangers), recém-publicado em edição de capa mole. Exclusivo DN/The New York Times

Sunday, March 01, 2015

Ok Ciao

MEC
O conhecimento imperfeito ou ignorante das expressões estrangeiras, por muito simples e fáceis de perceber que sejam, leva sempre aos maiores desastres. Quanto mais o OK americano se ouve, mal pronunciado e colocado, no Reino Unido, na Irlanda e na Europa em geral, incluindo um bocado cada vez maior de Portugal, mais se aprecia a graça cultural dos americanos quando o utilizam.

Em Portugal, OK é dito com resignação, como "está bem, pronto" ou "seja então como tu estupidamente queres". Nos EUA OK vai do whatever ao muito bom, acabando com uma aprovação com ponto de exclamação. Em Portugal, OK nunca tem direito a um ponto de exclamação. Pelo contrário, tem sempre reticências. Ou não...

O conhecimento imperfeito ou ignorante das expressões estrangeiras (para não falar, ainda mais deprimentemente, das expressões portuguesas que cada vez menos portugueses percebem), por muito simples e fáceis de perceber que sejam, leva sempre aos maiores desastres. O maior desastre é não saber o que se diz. É pensar (erradamente) que se sabe o que se diz, ou, pior ainda, não fazer a mínima ideia do que se diz, mas pensando (erradamente) que quem nos ouve também ainda sabe menos.

Os nossos OK, tal como os nossos tchaus de despedida, não devem ser vistos como empobrecimentos da língua portuguesa. Pelo contrário, celebram a hospitalidade, a abertura e a segurança da nossa língua. Mas têm uma função muito mais valiosa: devolvem aos utilizadores originais do OK a habilidade e a pertença não só das duas letras (ou sílabas) como a autoria, a elegância e a competência para usá-las com a graça e a exuberância que merecem.

Miguel Esteves Cardoso
25/02/2015